terça-feira, 29 de dezembro de 2009


DESORDEM


Pessoas são invenções muito imprecisas.

Freqüentemente invento uma de mim que não há.

Como uma espécie de desejo ou compensação.

Tapar buracos é tarefa que requer dedicação e amor.

Uma árvore pode não dar as melhores frutas todos os anos, presume-se falta de alimento, pode ser.

No meio de tantas imperfeições, posso ser uma flor amarela assustada entre hortências, buganvílias, azaléias – importa pouco.

Contanto que eu possa eventualmente faltar.

Difícil organizar tudo, escapar do caos - monstro de dentes afiados que me persegue.

Tanto pra fazer, tanto lugar pra ir.

Rodo em círculos e temo deixar escapar o melhor do tempo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009


O TERCEIRO

Se eu fizesse com que as cores desaguassem sobre o papel com mais freqüência pra que eu pudesse a cada dia inventar uma nova paisagem improvável.

E se nelas diluíssem meus enganos e uma estranheza que me persegue.

É que não sei o que vinha sabendo ao longo dos tempos. Desaprendi algumas vontades e ainda não sei que coisa nova é essa

que me convoca.

domingo, 20 de setembro de 2009


SEGUNDO MOMENTO


O dos dias que passam sem que a gente queira.

Em que os olhos treinam alcances.

Em que estar não deveria consumir tempo.

Dias das cores difíceis de nomear.

Das flores que na certa vão durar mais

que esta desejada demora.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

PRIMEIRO DELÍRIO DE UMA PROVÁVEL SÉRIE

Quero andar num caminho de pedras redondas, com borboletas amarelas a voar suavemente em torno dos meus pés.

Em volta tudo é cinza e bom, nem é preciso ver a distância.

Exercito uma insanidade sutil, pequena, suficiente.


Tenho muito a cumprir.

Eu queria que me deixassem só pra essas coisas e pro amor.


terça-feira, 25 de agosto de 2009


FIM DA ESTAÇÃO

Uma boneca de papel machê pende na porta do quarto e gira à mercê de alguma brisa. Tem posição dramática, cabelos cor de laranja e um vestido que até podia ser meu.

O menino não sabe o mundo e se arrisca.

Belos são os olhos do menino, às vezes frutas doces, às vezes chamas flamejantes, muitas vezes não sei.

Confio no passar das estações, confio nas boas raízes.

Hoje, ainda do frio, contemplo uma árvore que promete folhas novas para a primavera.

terça-feira, 18 de agosto de 2009


INCOMPARÁVEIS


Rosas de muitas cores.

Picolé de groselha, daquele que vai ficando esbranquiçado no final.

Comida quente e molhada na noite fria.

Manta macia nas pernas pra ver filme em casa.

Beijo na boca e conseqüências.

Meninos fazendo bagunça na cama da gente pela manhã.

Sair da cidade.

Não sair de casa.

Não ter que.


Sonhar e viver um sonho bom.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009


OUTRA VISTA

para Rosana e Silvana

Havia a mulher que queria domar peixes.

Como se tentasse evitar a queda da água pelas pedras no curso do rio.

Custou-lhe acreditar que não podia.

Hoje olha com mais calma as montanhas.

Acredita que pode construir, com capricho e aos poucos, uma rotina com mais janelas.

Pelo menos por enquanto.

Cabe tão mais que nem imaginava.

Um pássaro a reconhece.

As flores nas árvores das ruas lhe fazem festa.

A estrada é daqui pra muito, que de tanto, pra sempre.

quinta-feira, 23 de julho de 2009


UNS DIAS

Na beira do rio ele supôs semear peixes. Era pra ser uma praticidade. Achei mais pra bonito.

Observei como as borboletas se juntam no barro da margem.

Uma outra, azul cintilante, pousou perto de nós na pedra. Ele se remeteu às bandejas e cinzeiros que elas enfeitavam em outros tempos, felizmente em desuso. Achei engraçado porque eu quase nem me lembrava.

Aqueles poucos dias se passaram assim, com essas ocorrências além de outros afazeres prazerosos.

Se fossem muitos mais os dias, era melhor ainda.

segunda-feira, 6 de julho de 2009


PRA COMEÇAR A SEMANA


Encontrar no tumulto, a brecha.

No sufoco, o tempo.

Receber o agrado com demora.


Descobrir no caos o que causa.

Do afeto, ter cuidado.

Descaber de motivos.

Desobedecer ao previsto.

Por nenhuma dor ser dominado.


Poder inverter o esperado.


O amor aprendido,

esparramar todos os dias,

pra todo lado.

terça-feira, 23 de junho de 2009



BORDADO


Um ponto mais e esqueço do trânsito e do motorista estúpido.

Mudo a cor do tecido enquanto nem me lembro dos prédios enormes que se erguem no meu percurso diário, agressivas construções a mudar a paisagem e o fluxo, antes de relativa tranqüilidade.

A linha será vermelha agora, que nem me lembro dos diálogos interrompidos, das palavras cruéis, dos silêncios omissos.

E no centro se faz uma flor e quase nem penso.

E no outro, um botão.

As mãos brincam neste bordado quando quase nem sei que o tempo não me pertence.

sexta-feira, 12 de junho de 2009


O OUTRO TEMPO

 

Por trás do tempo passa um outro tempo que nem sempre se percebe (tem gente capaz de jurar que não existe).

Nesse tempo pode-se olhar a esmo e com demora, tempo em que cabe.

Não há pressa e nem prazos e é só querer que tudo se estica.

Pode-se não querer nada e só esperar o tanto do desejo.

Os dias são repletos ou parados, mas sempre grandes, num tempo que quase não se vê passar.

Por trás do tempo é que se faz também o sonho.

É desse tempo que saíram as cores da tarde.

Os desenhos das montanhas.

Uma chuva na varanda.

Esse seu cheiro que eu sempre soube.

 

terça-feira, 26 de maio de 2009


PASSARINHOS


Algumas gotas de lágrimas não se seguraram e caíram dentro da vasilha do feijão enquanto os pratos eram servidos com o mesmo cuidado de todos os dias. Os meninos comeram um almoço temperado por uma tristeza.

Ficaram calados.

Passarinhos que são experimentam vôos mais ousados.

Mas suas asinhas são frágeis ainda, são de uso limitado, nem sabem bem o que dizer, o que pensar, como agir.

Eu às vezes também não, mas conheço mais tanto o chão quanto o ar e entre os dois oscilo entre idas e vindas enquanto dou mais espaço pra alegria e para o amor.

O feijão ficou com aquele tempero que chegou a comover. Na certa ajudará os meninos a ficarem mais fortes, a crescer.

Menos calados estavam no lanche da noite, quando percebi umas peninhas caídas aqui e ali pela casa - pequenas plumas despencadas de suas tenras asas, de seus vôos arriscados.

Belos passarinhos.

sexta-feira, 8 de maio de 2009


Trouxe esse texto de 2007, certa de que de lá pra cá temos muitos desentupimentos a celebrar.


DIA DAS MÃES (2007)

 Minha mãe sentiu dores no peito e depois de um tanto inconveniente de burocracias e investigações, ontem desentupiram seu coração. Disseram que ela agora vai se sentir bem melhor e mais bem disposta com o coração desentupido.

Disse-me ela que logo após o procedimento, se sentiu obnubilada. Não é a primeira vez que ouvi essa palavra vinda através dela pro meu conhecimento. Passei a admirar tal palavra com uma vontade quase feroz de empregá-la – “obnubilada”. Pensei num coração desentupido e a cabeça quase delirante entre nuvens, um ser em êxtase!

De ansiosa que fiquei, corri ao dicionário que me informou que “obnubilação” seria “deslumbramento” ou “trevas” (!!!) e tal e tal...; e que “obnubilar” seria “obscurecer ou pôr-se em trevas”. Burro esse dicionário, logo me opus. Pelo menos pude perdoá-lo pela palavra “deslumbramento” – essa sim, caiu como uma luva. Coração desentupido e deslumbramento. As nuvens residem muito acima das sombras, pensei (e fiquei desanuviada).

Mas daí voltei ao fato. Esse desentupimento não seria um processo que merecesse muito mais respeito, e que fosse tratado com um mínimo da poesia que lhe cabe? Por que não há boa música pra se ouvir e cores bonitas pra se ver, fotografias inspiradoras e belos quadros, ar, espaço e carinho ininterrupto nesses lugares que são áridos e sombrios, onde instalam os que se recuperam (e os que se despedem) nos hospitais?

Minha mãe teve o coração desentupido e se sentiu obnubilada e que ela seja liberada do hospital o quanto antes. No domingo próximo é Dia das Mães e eu quero compartilhar com ela e com os meus, seu coração desentupido em casa, com a veneração que merece tal acontecimento.

No domingo que vem comungo com todas as mães. Todas nós com nossos entupimentos cardíacos, com as nossas obnubilações e com os sinônimos, associações e metáforas que lhes cabem. E comungo com os que se entopem e se desentopem e que habitam entre, sob e sobre as nuvens.

Tenhamos um feliz e digno Dia das Mães.

sexta-feira, 17 de abril de 2009


ANIVERSÁRIO

 

O amor estampado em rosas multicoloridas eu recebi. 

Amor maduro em tenros botões.

O desabrochar dessas pequenas exuberâncias inundou minha casa de alegrias renovadas.

Um tanto de outras preciosidades também colorem meus dias, reforçam os motivos pra comemorar.

Observo uns ventos menos favoráveis que se afastam e da distância vejo uma tristeza que acena.

Sou eu e de lá me observo a desejar este lugar.

Uma espécie de pacto me rege agora.

Por isso,

festa.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

A FALA E O FALO


No fundo tudo se resume na maneira de se combinar as ínfimas 26 letrinhas do alfabeto, comentou oportunamente o psicanalista, o que causou ótimos efeitos no meu alívio já disposto.

É que os discursos dependem da empáfia pra serem o que são e pra causar os efeitos que causam. Há que se considerar os deleites que nos proporcionam as palavras. Mas também a inutilidade que carregam potencialmente. E muito o poder de destruição.

Estão pessoas a trocar os supostos saberes enfeitando-os de grandeza, a levantar polêmicas, a criticar. Alguns compulsivamente, tanto, que perderam o humor e alguma simplicidade.

Sim, os ditos precisam ser ditos, especialmente se bem falados pra provocar boa escuta. O que sobra e muito, são alguns enfeites muito intelectuais, porque os genuinamente poéticos são bem vindos e melhoradores da vida.

Assim como as imagens que absorvemos com a alma através dos olhos. Ou das sutilezas que só o coração escuta através dos ouvidos. E o tato e as sensações. Penso que todos derivados do amor.

Se tivessem as pessoas humor e boa vontade. Se tivessem menos vaidades e discursos.

Se as palavras não fossem perniciosas e arrogantes.

Ando cansada de certas falas empinadas como falos devoradores.

(que os falos libertados das implicações morais e sociais são adoráveis fontes de prazer)

sábado, 28 de março de 2009


FRASES DOS DIAS

 

O menino se despede da infância experimentando as primeiras insônias e mais algumas curiosidades.

O menino mais novo gosta de andar em volta das coisas para imaginar. Depois diz frases surpreendentes e desenha histórias.

A mulher amadurece com menos insônias.

O homem faz que não e melhora com o tempo.

A cidade, de tão judiada, ganha uns pequenos remédios - tentativa de alguns para atenuar o erro absoluto de muitos. Só que os erros continuam numa multiplicação detestável e acaba que a gente participa deles. Sair da cidade com freqüência nos faz bem mais felizes.

Minha freqüência continua a ter trema.

Descobri que no limite do cansaço mora uma tristeza profunda e pura, apartada de motivos (que a exaustão abre arquivos adormecidos).

Do pequeno pro grande, tudo muito parecido.

A cachorra nos observa e vice-versa ao integrar nosso grupo onde o amor dita as regras 

e a falta delas.

 

sábado, 14 de março de 2009


PEQUENINA SURPRESA

 

Uma joaninha pousou na minha bolsa, com certeza pra me trazer sorte.

Chamei meu pequenino pra ver. Ficou olhando.

Ela vai é ficar com vontade de ser sua namorada, você um menino tão bonito.

Mãe! Como é que eu vou beijar uma boquinha tão pequena?!?

É mesmo, filhinho. Só se você virasse um minúsculo duende. Melhor beijar umas boquinhas maiores e mais adequadas, tudo no seu tempo.

Você me chamou só pra isso?

Só.

Gostei. 

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009





POSSÍVEL “COMENTÁRIO”

                                     para "TORNO PENSAR XVI", de Walmir José  (clique aqui)

É que o amor arredonda as arestas, cria uma terceira superfície no contato entre os macios contornos, faz intercalarem os suspiros e até os temores.

Dissolvem-se em inutilidades algumas angústias.

Verdadeiros, isso sim, os amantes de fato.

Que ao tornarem possível o prazer maior, organizam o caos, projetam outra ordem.

E se não se perdem nos vacilos e ciladas, diluem as dores em transparências,

talvez mesmo em ilusões, saudades, 

pouco importa.


sábado, 14 de fevereiro de 2009




ESTA NOITE

Pois que a noite guia o silêncio que persegue os meus passos pela casa.

Busco a garrafa de vinho e espio os meninos que dormem em suas caminhas de nuvens. A cachorra é minha sombra e sombra deste silêncio, doce criatura que se enrosca no meu tapetinho de colocar os pés cansados semi adormecidos ou recém acordados.

Uma música linda escolhida de distâncias faz parte do silêncio – que não é em absoluto a ausência de sons, é muito outra coisa - se relaciona eroticamente com a minha noite, com o meu delírio, com a minha casa.

A sala, enfeito com um aroma – bruxaria de cerâmicas e óleos e plantas, tudo pra bem receber. Os panos da cama eu os faço impregnados do meu calor, dos meus cheiros, da minha espera entorpecida.

Tudo é bom.

 (que nem mesmo o que tudo de ruim que me assombra consegue achar espaço algum) 

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009



DE VOLTA

De volta a esta cidade confusa e a outras semelhantes confusões.

De um lado pro outro se dá ao atravessar nuvens, a paisagem das montanhas assim me sugeriu, só para um devaneio a enfeitar a realidade.

Olho de frente alguns fracos que destilam venenos, outros que dissimulam, alguns que traem ou enganam sem cerimônia.

Me impressionam a carência de compromisso e a desconsideração.

Um presidente bonito melhora muito a aparência das revistas e dos jornais. A gente acha até que o mundo vai melhorar.

Beleza é sempre bem vinda. Olhos atentos pra não deixar passar.

Os cachorros são sinceros e muito afetivos. Também algumas pessoas.

Meus amores são intensos – plena alegria que emerge num quase caos.

Ando um pouco assustada,  

mas feliz.

sábado, 17 de janeiro de 2009


FÉRIAS

 

Lua cheia, eu na rede da varanda, um filho se aninha no meu colo e me oferece seus olhinhos doces bem a contemplar os meus sem cerimônia alguma até deixá-los fechar rendido pelo sono.

O outro filho sentado na cadeira bem próxima, enquanto lê, cuida de deixar seu pé bem perto do meu pra de vez em quando provocar uns carinhos.

No meu fone de ouvido uma orquestra incrível toca peças de Bach pra eu ouvir porque posso escolher assim.

A brisa que nos visita vem do mar, desta vez não das montanhas.

Penso que tenho um pedaço do céu, que isso é ser feliz.

Uma saudade se mete a ocupar um espaço enorme e me faz lembrar que mais ainda.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009



BOA PROSA

A janela emoldura as árvores enfileiradas da praça. Prefiro as outras sem molduras, sem praça. Mas está bom assim também.

O avô dos meus filhos (que de titulação ser meu pai importa mais ainda) conversava com o mais novinho, e na minha passagem por perto ouvi uma frase apenas daquela prosa: 

“o chuveiro é uma chuva resumida”.

Pra mim bastou muito.