VALES ENTRE UM RIO
Entre os vales passava um rio e neste rio ia uma correnteza forte, muito forte, não era possível atravessar nem nadar, nada era possível.
Ele dizia lá do outro lado bem alto pra que ela ouvisse do lado de cá e dizia e dizia, ela olhava as palavras, todas elas derramando, se juntando à correnteza, nada podia ser feito.
Ela dizia do lado de cá pra que ele ouvisse do lado de lá, as palavras derramando na correnteza, nada.
Ela olhou e acenou e ele olhou através dela, e atrás dela havia um espelho onde ele se via.
Ela acenou novamente e olhou com força, com seus olhos de chuva. E viu um homem através de uma névoa. Um homem que ela não conhecia.
Choveu em cima dele e todo o vale do outro lado do rio se prestou à chuva.
Sem conseguir parar de falar, ele, através da chuva tentava vê-la, o corpo, os olhos chovendo, mas só via, através dela, o espelho.
Ela se despiu e começou a caminhar, ele a seguia também caminhando, mas não enxergava seu corpo nu. E no espelho que ele via, chovia.
Ela correu e dançou e o vale do lado de cá se atirou à primavera.
Mas nos olhos dela, de chuva, chovia. Chovia nos olhos dela enquanto ela dançava nua – a primavera era, por demais, inevitável. E nem ela queria evitá-la com seus olhos de chuva.
E no espelho, chovia.
Foi um desaforo de flor brotando pra tudo quanto era lado, no lado de cá do rio. Um desaforo de cor e cheiro e as crianças vieram também nuas, rolar sobre a primavera.
E nuas, não escondiam nada.
As crianças quiseram atravessar o rio. Como ela também quisera um milhão de vezes.
Nadaram como se não houvesse correnteza e do lado de lá se puseram a caminhar na chuva.
Ela, do lado de cá, olhava temerosa e ao mesmo tempo agradecida de que as crianças podiam atravessar o rio, sempre.
As crianças gostam da primavera e da chuva e as palavras para elas ainda dizem pouco.
A chuva diz muito, e também o espelho, o rio, os vales e a primavera.
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