quinta-feira, 31 de julho de 2008


TARDE DE INVERNO

pra Beth

Algumas mulheres preocupam-se com os casaquinhos dos filhos, se estão suficientes, e comentam como que as bochechas dos pequenos ficam rosadas com esse tempo.
Pensam também na noite que está por vir, que é preciso distraírem-se porque o companheiro não se sabe e tal.
Olham a paisagem bonita enquanto desejam que fossem menos intensas e complicadas.
Depois se confortam pensando que no fundo o que querem é até simplesinho se for pensar bem mesmo.
Vão então caminhar pela tarde de inverno a passos rápidos pra exercitarem as pernas que já não são as mesmas de uns anos atrás e no percurso lembram-se que na última noite não passaram o creme anti-idade e que o vento nessa época.
Enquanto isso alguns homens correm, não pelas pernas propriamente, mais pelo colesterol.
E preocupam-se menos e com outras coisas.

sábado, 26 de julho de 2008


PRESSENTIMENTO

Na claridade por detrás do morro, um pressentimento de lua.
Ela surgiu minguante, mas luminosa, a ofuscar as mais belas estrelas.
Vai que nem faço uma comparação, vai que nem percebo, enquanto tomo meu vinho e distraio uma saudade.

terça-feira, 15 de julho de 2008


CHUVA MAIS COMPRIDA

Depois de eu ter chovido a chuva mais comprida me enfeitei de me achar bela.
Assim prossegui, meus pés nus brincando na relva molhada da minha chuva.
Até desaforei a dançar, até fiquei bem feliz.
Eu, meus pés e minha belezura.
O sol veio assistir e me ofertar um arco-íris que se formava pra cenário
com os últimos pingos
da minha chuva mais comprida.

segunda-feira, 7 de julho de 2008


PROCEDIMENTO

Ela vigiava instantes, preocupava-se em reconhecê-los e a eles atribuir cores.
Procedimento de espichar o dia e gerar sentido.
Quando o sentido vinha treinava esquecimentos.
Reservava alguma essência que virava memória que servia pra consultas, servia pra reconhecer outros instantes.
Alguns agarravam-se nela e colavam, instantes insistentes, dor, alegria cega, ilusão ou utopia.
Interrompiam sua vigília, prejudicavam seu talento de atribuir cores.
Às vezes viravam doença e precisava de ajuda - oração, mandinga, vela acesa, incenso, análise, conversa, benzedura, receita, terapia.
E mais conversa à beira do fogão, à beira da estrada, à beira do abismo ou do nada.
Ela então espreitava (já pressentia).
Vigiava
e outro instante surgia.

quinta-feira, 3 de julho de 2008


UM SONHO

Me vesti de árvore, desenhei um nome no chão com as folhas secas e deixei que o vento soprasse.
Como segunda providência convidei uma mulher e um homem apaixonados pra que se amassem na minha casa e impregnassem todos os cômodos.
Como de árvore eram só as minhas vestes, saí a caminhar desenraizada.
Com o vento algumas folhas do nome que escrevi me alcançaram, agarraram-se em meus cabelos e segui a percorrer o inverno.
Entorpecida,
obnubilada
e livre.