domingo, 25 de maio de 2008


DIMENSÕES

De que tamanho é o seu braço? Cabe em que abraço?
A lua cheia não cabe no meu desassossego.
A vida mede um percurso e acaba.
A ilusão é maior que a vida.
A barata que atravessa a sala é maior que o home theater instalado por lá.
Esta noite é muito maior que a passada.
A terra é uma poeira ínfima no universo.
A poeira no meu piano é gigantesca.
A do chão da sua casa aumenta muito quando tem testemunha.
O descuido com o outro faz alguém infinitamente menor e maior para aquele outro.
Menor pelo valor, maior pelo mesmo valor.
Um desprezo importante é invasor das dimensões.
Há uma joaninha que ao pousar no meu braço faz qualquer desprezo inexistente (arquivo temporariamente fechado).
As montanhas têm sido do meu tamanho quando deito-me sobre elas com meus olhos cansados, e meu corpo se entrega aos contornos que elas me oferecem e assim fica imenso e esparramado.
O universo cabe na palavra que o denomina e nenhuma nova descoberta sobre ele faz a palavra mudar de tamanho.
Eu achava que dizer “eu te amo” automaticamente causava grandes medidas no tempo. Descobri que pode ser bem pequeno e passageiro, depende do tamanho do momento de quem diz.
Mesmo assim o amor tem poder de dimensões incalculáveis, também o perdão, a compaixão e a vontade.
Tem amor que é maior que tudo que teve tamanho inadequado na sua trajetória, maior que a loucura (sabe-se lá quantos tamanhos tem a loucura?).
Justiça é insistentemente bem pequena.
É frágil, a pobrezinha.
É quase só uma idéia.
Uma idéia é maior
ou menor
que outra.

domingo, 18 de maio de 2008


SOBRE AGRADOS

O homem passou e deu bom dia.
O dia foi o mesmo, mas o homem melhorou mais um pouco porque disse bom dia. Quem ouviu, melhorou também um pouco, pois que ouviu.

Alguém quis agradar alguém por gosto.
O agradado fez projeções, interpretações e premunições equivocadas e piorou um pouco.
Agrados deveriam ser ao menos agradecidos. Desprezados são muitas vezes por ignorância das suas origens.
Gozado, que tem agradados que se sentem ameaçados, mudaram de rumo e não conseguem ver que o agrado foi genuinamente do coração e que o agradante não quer além de notificação de recebimento do agrado, é simples.

Acolher um agrado é ciência do coração que sabe guardar pra sempre um presente e o amor, nem que a circunstância faça com que fique só na memória, mas está lá (pra sempre é lindo).

Relacionar não é simples e faz história.
História tem peso e conseqüência, difícil administrar o que não se apaga.

Não há grande problema em esquecer o dia do aniversário. Problema é esquecer o aniversariante.

Escrevi há tempos que certos gestos de carinho não deveriam precisar de folheto explicativo ou manual de instruções.
A verdade é que parece que precisam e por isso perdem seu frescor, sua espontaneidade.
Sem terem sido feitos pra isso, viram peça de jogo, chatice, é triste de reconhecer.

A vida é muito curta, a terra é bem próxima de nada e as vaidades são infinitamente menos que ínfima poeira.

Sofrimento é grande pra tão pouco.

Pouco é menos pra tanto descuido.

quarta-feira, 14 de maio de 2008


O CAVALO NO BARRANCO

Eu vi um cavalo no barranco.
Eu vi um cavalo no barranco em plena cidade, de um entroncamento com muitos carros passando.
Eu vi um cavalo no barranco e me surpreendi com sua altivez e importância no meio do barranco em plena cidade, com carros passando.
Eu vi o cavalo no barranco quando voltava do supermercado apressada pro trabalho.
Vi o cavalo branco no barranco quando pensava que eu estava menos triste no meu trajeto.
O cavalo branco no barranco estava lá quando minha pressa me incomodava menos, por isso o achei lá e importante.
Vi o cavalo e me surpreendi com ele e comigo, ele importante, e também eu, passando por lá menos indignada, com uma tristeza menorzinha.
Achei tão lindo o cavalo no barranco, ele branco, o barranco verde e os carros passando inclusive o meu.
Eu e o cavalo branco no barranco estávamos muito importantes no momento em que parei no sinal e fiquei olhando pra ele o suficiente pra dele guardar uma imagem.
O trajeto melhorou muito com o cavalo no barranco e eu a passar por ele.
Eu e o cavalo branco melhoramos muito aquele momento.

A MULHER, AS NUVENS E O AMIGO

Havia uma mulher.
Havia nuvens.
A mulher se viu nua, vestida de nuvens.
Quando escuras, a mulher não enxergava e desagradava muito não ver.
Quando claras, pareciam-lhe vestido de noiva ou de santa, ou de fada ou de pura.
Noiva nunca tinha sido, santa ainda menos, fada se achava e pura, com tudo que nela cabia, era, ela pura.
Envolta em nuvens caminhava a mulher, a disfarçar sua nudez e a soprar inutilmente as nuvens que, de resposta, lhe confundiam, armavam tempestades, volumes, texturas.
Ia a mulher com suas nuvens e um amigo perguntou: “E as nuvens?”
Respondeu a mulher: “Olha, consegue vê-las? E a mim? Será que se elas se forem estarei nua? É que quero ser exatamente o que sou e caber onde me couber e dar menos satisfações. Meu amigo, sopremos nossas nuvens e que nossas palavras nos salvem.” E agradeceu ao amigo, a mulher com as nuvens.

quarta-feira, 7 de maio de 2008


O PLANTIO DO AMOR

Nossa, quanta interpretação! Tudo bem, a conversa tem sido de fato um pouco séria, mas nada de extremos.
Vamos combinar que plantaremos o amor, em fartura! Muitas mudas não vão vingar, algumas não irão muito pra frente, mas teremos um campo cultivado e florido de amor!
Tenho mudas de excelente qualidade, conheço quem tem bons adubos, chamaremos também os que dispõem de águas cristalinas, conheço muitas fontes.
Faremos a festa do plantio, ando mesmo querendo festa, perdi umas celebrações por aí por pura circunstância. Vamos dançar e beber bons vinhos, comer boas comidas, saborear as especiarias mais raras e preciosas, que merecemos e temos paladares bem dispostos.
E resguardaremos com doçura nossas dignidades ao exercermos esse amor, ao colhermos suas saborosas frutas.
E as flores, que brotem com outras cores diferentes das que esperávamos pra que nos surpreendam, e que as formas, também sejam inusitadas.
Ofereço um belo buquê pra você, que se dispôs a vir e ler, com certeza você faz parte desta festa!

terça-feira, 6 de maio de 2008


UMA RESPOSTA

Estranho agora esse dizer de flores e fertilidades.
Hoje, como exercício, treino alguns bons motivos – as montanhas, as chuvas, a fartura das cores, dos sons e esquecimentos, que tenho dificuldade demasiada com misérias e um certo exagero insiste em mim a me tirar o ar. Abundante é mesmo a vida na plenitude da planta que não se sabe, até nos terrenos menos férteis algo se presta à primavera.
Nos filhos cabe tudo (me comovem absolutamente), sobretudo o amor do qual não desisto e sabendo das minhas falhas insisto em reafirmar, com todas as suas derivações possíveis – respeito, consideração, alegria, justiça, compaixão entre muitas outras.
De quantas vezes me vi confundida já não me lembro, sigo a limpar os dias dos resquícios das águas que passaram. Decerto deságuam no mar e na abundância se perdem ou deixam de ser, tanto melhor.
Curioso que de lembrança tenho ainda a imagem de um oceano inteiro no molhado dos seus olhos – nem pretendo me esquecer, pois que neles habitavam sim todas as águas que me assustaram acho que pra sempre.
Não há nenhum papel em branco, levianas as esperanças românticas num mundo de pessoas adoecidas e complexas – vaidade, orgulho, crueldade, mesquinharia, indiferença, conformismo. Afinal o que há de novo nas vitrines e nos jornais? Em grande ou em pequena escala, reflexos de um ser talvez mal planejado, talvez mal evoluído, talvez vítima de um acaso não muito justo nem feliz. Ser humano, desumano, que diferença faz? Onde está o mérito?
Há um outro sentimento sim, que ainda não conheço bem, que definitivamente não é rancor. Por isso a náusea, o desconforto e um certo sarcasmo. Por isso não esperar com entusiasmo nem a sorte, nem mais o ano-novo, nem Godot, nem você.
No momento viver é uma tarefa com muitas responsabilidades e a alegria é, quando se faz possível, o exercício de preciosos prazeres (pra mim o amor, a natureza e as artes são fontes reais), conseqüência de quem também se contaminou pela primavera e que, provavelmente também a ela se prestará outras vezes.

domingo, 4 de maio de 2008


EM BOA HORA

Assim que achou suficiente, levantou-se e foi-se embora.
Em boa hora, será? Difícil medida essa – o suficiente.
Ir embora foi muitas vezes – algumas muito depois do suficiente, algumas bem antes.
Suficiente é pura suposição, pois que boa hora pra ir é ciência de minúcias, que em poucos momentos presenteia poucas pessoas.
Glória e alívio quando é da gente o privilégio, que em grande parte, o que se passa é susto e desapontamento.
“Embora” insiste em ser, incontáveis vezes, não em boa hora.
E aí é desencontro, despedida, e mesmo abandono.

sexta-feira, 2 de maio de 2008


MAIS UM TEXTO

Parto pra uma viagem,
miragem de um outro lado,
dado que esgotada uma imensa batalha
falha de enganosos pressentimentos,
fomento de insistência
da demência de um sonho.
Proponho então virar a esquina,
menina extraviada numa mulher
sequer esquecida, que o coração não tem memória
- história repetida,
descabida e inevitável.
Adorável a besta vida
atribuída a ilusão à realidade
em que há de se viver que é preciso e precioso.
Gostoso o vento
e lamento ir sozinha
minha curva é sinuosa
gostosa a chuva, mas não conheço o rumo.
Aprumo um querer que já não me sobra
-obra de desencantamentos e desvios.
Tardio o sonho num corpo que envelhece
pois amanhece só lá onde não se sabe
e não cabe desistir à beira da minha estrada de poeira,
guerreira que sou, que procura
e jura que existe.
Insiste e vai, não se sabe pra onde.
Esconde o cansaço e separa as águas
- mágoas de um lado, de outro, provável loucura,
pura chama que não se esgota,
gota de vinho caída sobre o papel
no céu do meu desenho, provável paisagem
na aragem de tons da minha aquarela. Com lápis de cor
decoro meus sentimentos e no meu estojo, uma lembrança
de esperança nenhuma. Algum sofrimento
é alimento pra mais um texto ilustrado, que é de onde eu parto.