quarta-feira, 26 de março de 2008


O BASTANTE

Gravei dez versões de “The man I love”.
Tenho uma versão verdadeira de um amor real.
Ia usar a palavra “apenas”, mas achei inadequada e injusta.
É o que é, bastante.
Uma versão de um amor real é suficiente, mais ainda é preciosa, até mais, prêmio.
Amor é conquista de anos e desapegos.
Amor é pra poucos, nem sei se pra mim.
Agora penso que é e exercito prazeres.
Prazeres são o que são, não outros.
Se eu for menos que agora, pode ser que me desvie.
Pode ser até que eu grave mais dez versões, todas lindas e todas me farão chorar.
Pois que pra chorar uma versão basta.
Pra amar basta mais ainda.

domingo, 16 de março de 2008


MELHOR ASSIM

Saído de um carro bem grande, um homem de cabelos brancos e chapéu preto toca a campainha de uma casa bem mais que bastante, porque rico. De costas, não saberá nunca de mim e nem que eu, que não sei dele, o fiz cenário dos meus devaneios.
Corro e no solo por onde passo uma suposição de cores dançam a música que me salva de só estar triste. Bem melhor assim.
Escuto Bach enquanto a cidade, abaixo de mim, salpica-se de pequenas luzes porque anoitece.
Pra lá da cidade, longe. E depois de longe não se sabe, ninguém.
Pretendo-me também longe porque sozinha. E debocho da minha condição porque preenchida de apropriações.
(águas me servem de presságios, vento é anúncio, também o silêncio)

O JOGO

Quem se perdeu?

A mulher.

Perdeu-se ou perdeu?

Os dois, obviamente.

E tendo perdido, procura?

É um jogo, requer estratégias, mudar algumas peças de lugar. O problema é que o tabuleiro do jogo é como um labirinto, só que sem muros. E daí que a cada curva ou desvio, uma paisagem se oferece, lhe interrompe o percurso e lhe rouba uma demora que já não possui mais. A mulher quer lugar algum, não quer jogar, quer achar nada e nem a si.
Uma flor no campo é o suficiente, a montanha (outra vez, a montanha) é tanto que corrompe o ar que respira. Causam-lhe motivos.
Em seu pranto derrama todas as cartas, todas as regras, chuta o tabuleiro, corre e deixa o mundo pra trás, perdido.
De não procurar é achada, atropelada, abusada, desviada, seduzida e deixa pra que a vida não simplesmente se acabe. Cumpre, pois que é dever do coração que o amor inundou pra sempre.

A mulher
do mundo,
do jogo,
do labirinto.

segunda-feira, 10 de março de 2008


O TRILHO E A TRILHA

Pois que há uma estrada e nela, obstáculos, e por ela passa esta de mim, aflita, sem poder parar onde quer com demora e até desperdício.
Há um trilho e uma trilha. Difícil permanecer no trilho, difícil não cair na trilha.
O trilho reclama o querer e a responsabilidade (onde também cabe um sem número de possibilidades estimulantes, paisagens, percursos, surpresas, seduções).
A trilha pressupõe os vacilos, os desvios, as quedas, os desafios, as fugas, as obsessões, uma inquietude domada pelo risco.
Feliz desta que percorre a estrada e que mesmo aflita, se arrisca a sair do trilho e a cair, se esborrachar, rolar, se atolar, se perder, desencontrar e se surpreender nos imprevistos da trilha.
Mesmo que muito, infinitamente aflita, a esperar um trilho que aprume e acolha seu querer forte como a montanha que se pode ver, admirar e percorrer
pelo trilho
pela trilha.

domingo, 9 de março de 2008


INSTRUÇÕES PRO DEUS SE  EU FICAR BEM VELHINHA

1- Sem uma saúde razoável, prefiro não chegar lá.
2- Que eu não caia na besteira de usar roupas de velhinha. Uma camiseta com uma saia longa de estampa de borboletas certamente vai me cair melhor.
3- Que eu tenha dinheiro suficiente pra comprar ótimos produtos de beleza, incluindo os cremes de última geração e maquiagens bem modernas.
4- Que eu não seja acometida pela preguiça, a não ser quando estiver deitada numa boa rede descansando.
5- Se eu não tiver um velhinho safadinho comigo, que as modificações hormonais me ajudem a não querer subir pelas paredes. Mas é claro que prefiro o velhinho safado.
6- Que haja velhos safados que admirem a beleza das velhas bem cuidadas e tenham o maior tesão por elas e não pelas mais jovens, menos inteligentes e mais bobas.
7- Que a minha conversa seja mais interessante do que as que eu ouvi na sala de espera do oculista (já viu a quantidade de velhos nessas salas? – os olhos ficam cansados de ver com o tempo). E que eu possa sempre achar uma armação de óculos bem “fashion”.
8- Que meus filhos não precisem cuidar de mim, que estejam por perto só para bons casos e boas risadas (e para um bom colo, ou ombro, que esses nunca lhes vão faltar).
9- Que o tempo se estique pelo direito de não ter que trabalhar. Tem muita coisa boa pra caber nas minhas horas diárias.
10- Que eu tenha netos e netas, que eu saiba acertar os presentes deles, que eles sintam conforto e liberdade na casa da vovó.
11- Como não é exatamente do Deus que eu devo esperar tudo isso, que não me falte alegria pra que eu mesma chegue lá.

quarta-feira, 5 de março de 2008


RAINHA DE COPAS

Sou a Rainha de Copas, de mim derramam corações. O plural deve-se ao exagero, um coração não me basta, atropelo meu destino por vocação ao desastre.

Cala-te, mulher, retoma-te, abre teus baús de sedas e brilhos, renova teu perfume, exala, provoca, sabes bem o que não cabe em ti e onde teu pranto estanca, vá ligeiro.

Convoco então meus soldados, ......., mas é este o meu exército? Assim, perdida estará mais esta batalha!

E por que continuar?

Não sei outro caminho.

Ah! Abre porque outro caminho não sabe, não é?

É.

Pobre rainha.

Rainha - o R é maiúsculo, minúsculo neste momento é o meu preenchimento. Sou a Rainha de Copas e confesso: o coração é só um.

Um só?

Um, só.

Huuummm...., rainhazinha pobre.

Pois é.

domingo, 2 de março de 2008

E lá se foram, um por um, todos eles.
DO PERCURSO

Do limite tênue
que separa tudo de tudo
Da corda bamba
que nos convida pro precipício
Prefiro o trapézio em que oscilo
enquanto arrisco meus saltos vitais

Nos caminhos de pedras
imprimimos nossas sombras
Nos caminhos mais argilosos
revelam-se reentrâncias e relevos
No ar, os cheiros que por pouco
nem mais reconhecemos
(dos desejos, dos cansaços, das intuições)
Nesse mesmo ar
dissipam-se nossos sonhos e verdades
num rastro bem mais sutil e efêmero

E em tudo estamos
finitos
e infinitamente
sós