terça-feira, 26 de maio de 2009


PASSARINHOS


Algumas gotas de lágrimas não se seguraram e caíram dentro da vasilha do feijão enquanto os pratos eram servidos com o mesmo cuidado de todos os dias. Os meninos comeram um almoço temperado por uma tristeza.

Ficaram calados.

Passarinhos que são experimentam vôos mais ousados.

Mas suas asinhas são frágeis ainda, são de uso limitado, nem sabem bem o que dizer, o que pensar, como agir.

Eu às vezes também não, mas conheço mais tanto o chão quanto o ar e entre os dois oscilo entre idas e vindas enquanto dou mais espaço pra alegria e para o amor.

O feijão ficou com aquele tempero que chegou a comover. Na certa ajudará os meninos a ficarem mais fortes, a crescer.

Menos calados estavam no lanche da noite, quando percebi umas peninhas caídas aqui e ali pela casa - pequenas plumas despencadas de suas tenras asas, de seus vôos arriscados.

Belos passarinhos.

sexta-feira, 8 de maio de 2009


Trouxe esse texto de 2007, certa de que de lá pra cá temos muitos desentupimentos a celebrar.


DIA DAS MÃES (2007)

 Minha mãe sentiu dores no peito e depois de um tanto inconveniente de burocracias e investigações, ontem desentupiram seu coração. Disseram que ela agora vai se sentir bem melhor e mais bem disposta com o coração desentupido.

Disse-me ela que logo após o procedimento, se sentiu obnubilada. Não é a primeira vez que ouvi essa palavra vinda através dela pro meu conhecimento. Passei a admirar tal palavra com uma vontade quase feroz de empregá-la – “obnubilada”. Pensei num coração desentupido e a cabeça quase delirante entre nuvens, um ser em êxtase!

De ansiosa que fiquei, corri ao dicionário que me informou que “obnubilação” seria “deslumbramento” ou “trevas” (!!!) e tal e tal...; e que “obnubilar” seria “obscurecer ou pôr-se em trevas”. Burro esse dicionário, logo me opus. Pelo menos pude perdoá-lo pela palavra “deslumbramento” – essa sim, caiu como uma luva. Coração desentupido e deslumbramento. As nuvens residem muito acima das sombras, pensei (e fiquei desanuviada).

Mas daí voltei ao fato. Esse desentupimento não seria um processo que merecesse muito mais respeito, e que fosse tratado com um mínimo da poesia que lhe cabe? Por que não há boa música pra se ouvir e cores bonitas pra se ver, fotografias inspiradoras e belos quadros, ar, espaço e carinho ininterrupto nesses lugares que são áridos e sombrios, onde instalam os que se recuperam (e os que se despedem) nos hospitais?

Minha mãe teve o coração desentupido e se sentiu obnubilada e que ela seja liberada do hospital o quanto antes. No domingo próximo é Dia das Mães e eu quero compartilhar com ela e com os meus, seu coração desentupido em casa, com a veneração que merece tal acontecimento.

No domingo que vem comungo com todas as mães. Todas nós com nossos entupimentos cardíacos, com as nossas obnubilações e com os sinônimos, associações e metáforas que lhes cabem. E comungo com os que se entopem e se desentopem e que habitam entre, sob e sobre as nuvens.

Tenhamos um feliz e digno Dia das Mães.