segunda-feira, 30 de junho de 2008


DE PREFERÊNCIA

Por vias diversas desfilam histórias e sentidos intercalados, sobrepostos, desandados.
Sonho que virou pesadelo.
Pesadelo que expurgou uma miséria.
Mergulho no espaço com meu corpo dançante e dolorido.
Um ou outro desgosto agarrado nas articulações vai se diluindo, virando movimento sem interpretações racionais – ainda bem.
Assim também acontece nas linhas dos desenhos, no semi-acaso das cores, nos dedos enlouquecidos sobre teclas das letras ou das notas, nos momentos capturados.
Há que se viver por essas vias e também beber bons vinhos e amar.
De preferência muito.

UM DIA

Não se sabia de outro domingo, de outro presente que não aquele atordoado, insano.
O dia era esse e não outro.
Nenhum café comprido, nada pra jogar fora na conversa, só a própria, inteira, dispensável porque estúpida.
Estúpida me reconheci naquele palavrório sem sentido, desprovido de construção ou de delícias inúteis.
Vai que uma carta seria uma solução poética, carta de símbolos sem palavras, carta de imagens desconectadas, sugestões abstratas, uma possível despedida sem adeus.
Fazia frio e sono e cansaço e medo. Fazia abandono e inverno.
Tomei o presente nas minhas mãos, não o subjetivo, o da caixa. Olhei sua beleza e suas
possibilidades repletas de sentido.
Mas o que se passava era débil e estéril, uma manifestação de passado e estagnação.
Emprestei ao dia algumas cores, as de outra caixa, de outro passado. Cores que se refaziam presentes.
Algo então foi escrito, que nem eu mesma conseguia decifrar. Colocado no papel pra que virasse outra coisa. E virou mesmo.

segunda-feira, 23 de junho de 2008


PARA UM LUGAR

Há um lugar onde as noites são calmas e as manhãs possíveis.
Tudo pode ser dito sem maiores cálculos, problemas menos ainda.
Precauções são pouquíssimas e quase desnecessárias.
Domingos são bem vindos e segundas igualmente.
Para lá, os que caminham com muita bagagem têm que se desfazer de alguma parte dela.
Alguns, vão indo com tão pouca que no caminho precisam adquirir algumas coisas, umas básicas, outras, desnecessidades adoráveis.
Alguns vão com passos tristes, talvez porque queriam levar alguém que não quis ir.
Outros, com passos determinados e animados.
Uns sós, outros com companhia.
Pra ir é preciso querer.
Não importa a bagagem, nem o motivo, nem o modo com que se caminha.
É comum partir pra lá e voltar ou perder-se no caminho.
Pior é quem esquece pra onde estava indo.

quinta-feira, 19 de junho de 2008


A MULHER LOUCA

A mulher louca pensou que não era mais.
Gastou uma pose nova e um discurso em vão.
Fez convocação de anjos e aguardou.
Ao achar que não era mais, deparou-se consigo e com sua miséria.
Habitava ela, a louca, adormecida no cerne da mulher.
Assustou-se, afastou-se, olhou e se viu da distância.
A distância era boa, lúcida e confortável.
Guardou a louca e aguardou.
Passaram-se os dias
a limpo.
INSENSATEZ (PROJETO BRASIL)


http://br.youtube.com/watch?v=yFp43nLyfJ8

terça-feira, 10 de junho de 2008


CONVOCAÇÃO

Há um lugar onde habitam os anjos, e lá ensaiam tarefas de anjos.
E aguardam.
Aguardam quem os convoque - quem ou o que. Às vezes algo se esboça e isso é suficiente para que eles se manifestem.
Algo se esboça e se arrisca. Pronto, vêm então os anjos que se identificam com a questão em questão. Os anjos são assim, setorizam suas questões conforme os ventos ou a disposição das nuvens. E daí se prestam a essa ou àquela função.
Como preparação, cantam, dançam e enfeitam suas vestes. Isso, os que delas fazem uso, os que não, ajeitam cabelos e asas e esfregam gotas de chuva que fazem a pele de anjo mais tenra e brilhante.
Alguns casos requerem reunião de anjos. Eles então trazem fitas de cetim de todas as cores e trançam uma trama única onde tudo o que diz respeito àquele caso específico é amarrado. Daí, fazem um tecido que quase sempre é muito comprido e complicado. E esse tecido é percorrido por cada anjo que analisa sua composição, as passagens das cores, as mudanças dos pontos. Com isso decidem se o tecido é pra cobrir, pra encobrir, se é pra aquecer, enfeitar, ou se é pra ser levado definitivamente para a exposição celeste de casos insolucionáveis.
Pois então, que venham os anjos.